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terça-feira, setembro 30, 2008



Náufraga
Sofri, como se diz, um acidente. A culpa foi da chuva, dizem-me. Mas não sei se acredito. A chuva pode dar vida. A mim, dizem-me, tirou-me um bocadinho de vida. Deixei-te dormindo. E estive numa paragem de autocarro, à espera. E chovia muito, muito. Tinha o corpo encharcado e frio. Muito frio. Tinha a alma gelada. As minhas lágrimas confundiam-se com as gotas de chuva. Torrenciais. Fiquei ali, à espera. Como quem espera um autocarro que nunca chega. Mas nunca vieste...E fui-me abandonando à dor. Deixei que me torturasse. Que me esventrasse a alma... Doeu tanto que pensei nunca superar. Nunca iria cicatrizar. Alguém me levantou do chão onde me deixei cair. E à chuva, me carregou nos braços para um lugar qualquer. Seguro. Aqueceu-me. Salvou-me de morrer. Mas não me deu a vida de novo. Continua aqui, à cabeceira, velando. Porque sabe que não estou curada. Tive de coser a minha alma de novo. Mas eram tantos os bocadinhos, tantos que não os soube juntar bem. Nunca fui boa a coser. Ficam sempre uns pontos mal dados. Uns pedaços mal remendados. E no fim, a peça não volta a ficar igual. E é assim, que me sinto. Remendada. Mas não igual. Mais pequena, talvez. Não cosi tudo. Pedaços houve que não tiveram conserto. Não os deitei fora. Guardei-os numa gaveta junto à minha cama. Estão lá. Quando morrer, levo-os comigo. Não vá pensarem que perdi um bocado da minha alma. Não senhor. Só que já não a visto. Inteira. Agora, aprendo a falar de novo. Mas não sei ainda andar. Tenho de aprender tudo. Ou o que conseguir. O que o tempo que me resta, me deixar. Porque o tempo manda. Muito mais do que os homens. É como um casaco que nos protege do frio, mas nos faz suar ao sol. Percebes? Estamos ali, enredados. Damos um passo e o caos, fecha-se logo atrás de nós. Não deixa uma brecha sequer. Nem um fiozinho de ar. Nem um espacinho, sequer. Não sei explicar melhor agora. Tenho febre. De tempos a tempos tenho febre. Antes não era assim. Mas antes, era diferente, também. Agora, fico muito cansada. Muito depressa. Custa-me respirar. Custa-me viver. Parece que me arrasto no tempo. Aqui deitada, as horas vão passando como se eu estivesse a enrolar novelos de lã. Mas o meu novelo, parece-me, não cresce. Vai diminuindo. E eu rendo-me ao cansaço... Acho que é por causa deste cansaço que não faz sentido o que digo. Dizem-me. E eu percebo que não me dão muito crédito, já. Mas, eu acho que é da febre. Acho que me vai consumindo... Me vai cansando...

quarta-feira, setembro 24, 2008

Esqueceste-me…
Vejo-o no silêncio que me envolve.
Esqueceste-te…
E eu subo as ruas que já conheço.
Aquelas que um dia já percorri.
De pedras gastas e rompidas.
Molhadas.
Desespero….Há dias em que me custa respirar. Viver. Em que é insuportável olhar-me, sentir-me. Em que todas as coisas que me rodeiam e me compõem me parecem demasiado mesquinhas. Não foi assim que sonhei viver. Não é assim que quero viver. Mas é assim que vivo. É nesta realidade que me encontro, para onde a vida me trouxe. Foi para este canto que desembocaram todos os caminhos que percorri. As vezes penso se pudesse voltar no tempo…Não, não gostaria de viver tudo de novo. Gostava, antes, de ter sabido ser mais serena nas minhas escolhas, mais consciente dos riscos, mais corajosa em dizer não. E agora, de nada vale pensar que poderia ter sido tudo diferente. Porque não foi. Nem o será. Nunca mais. E para quem, como eu, sempre achou que podia fazer tudo na vida, entender esta irreversibilidade, aceitar o definitivo, é como tentar respirar o ar todo de uma vez…Sufoca-se…