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quarta-feira, junho 16, 2004

Como vai mal a nossa sociedade....

Não é difícil encontrar no quotidiano razões que justifiquem este meu desabafo.
Basta estar atento e olhar para a vida.
Ou ser surpreendido por ela.
O que fazer com as pessoas que deixam de ser úteis à sociedade?
(Não deixa de ser uma boa maneira de colocar a questão)
Mas eu reformulo! O que se faz quando alguém deixa de ser autónomo e precisa de cuidados?
Não sei...
Nada está estruturado para que a resposta a essa pergunta surja natural e imediatamente.
Do hospital, a mesma resposta.
"Logo que possível, terá alta."
Mas convém realçar que "ter alta", não significa ter saúde. Ou estar apto a reiniciar a vida que por breves tempos se interrompeu.
Significa apenas que o doente subiu a um patamar de degradação física ou psicológica do qual a medicina não se esforça para encontrar meios para o retirar.
E, talvez em muitos casos, até nem fosse possível.
Mas...Aí eu pergunto: não será possível fazer um esforço para manter lhe manter a melhor qualidade de vida possível, e, no fundo, a dignidade da pessoa?
Parece que não...
Não importa sequer que necessite de cuidados específicos, a alta será dada e a pessoa despachada para um qualquer lugar (ainda que sem condições).
No fundo, a política de saúde passa por ser dada "alta" a um doente inetrnado que esteja em coma. Apenas porque não há esperança de o poder retirar desse estado.
Mandan-no morrer noutro sítio e nem importa qual.
Poucas famílias terão a capacidade de se organizar no seu seio - e suportar finaceiramente essa reorganização - para ficar serenamente à cabeceira, esperando...
Poucos saberão utilizar ventiladores, aspiradores, sondas de alimentação e sei lá mais o quê...
Poucos terão a capacidade de continuar vivendo derrotando a sua vida tendo que combater a cada segundo o fantasma da morte que paira no ar e se esconde em cada fresta...
E, quando as famílias não tem essa capacidade de organização - ou não podem! - o mundo desaba nas suas cabeças, umas vezes de uma vez só, outras vezes um bocadinho todos os dias. Até o peso ser demasiado e insustentável.
Procura-se ajuda nas instituições. Procura-se esperança em cada entrevista, em cada telefonema.
Mas em todos - invariavelmente - a resposta é a mesma. "Não há vagas." "Não aceitamos acamados." "Não aceitamos doentes de alzheimer". "Não aceitamos doentes com sequelas de AVC."
"Tem de entrar na instituição pelo seu próprio pé."
Ironia do destino!!
Depósitos de velhinhos...
É neste momento que a raiva surge com mais força e parece subitamente justificada.
Como será possível que o Estado tenha permitido que se chegue a este ponto?!
Como é possível que a Santa Casa da Misericórdia receba tantos milhões de comparticipações do Estado e ainda faça selecção das pessoas que aceita em função da sua condição física ou psicológica e da condição finaceiramente suficientemente abastada!!
Como é possível que não exista na rede de apoio social do Estado, centros para acamados e idosos adoentados!!!
Como é possível que a única alternativa - nem sempre viável, nem sempre ao alcance de todos, seja a transferência para um "hospital de rectaguarda" onde, por vezes, nem pessoal de enfermagem existe?!
Quantas vidas se perdem neste processo, entre os que irremediavelmente para ela já acminhavam apressadamente e aqueles que tem de abdicar de viver, para com eles morrer também um pouco todos os dias...
Mal vai a nossa sociedade quando se perde, em silêncio, o respeito pela vida...
Penso no meu filho que em breve irá nascer.
E de repente, sinto-me impotente.
Ganhei consciência de mais um rol infindável de injustiças de vida que me incomodam o pensamento, o respirar.
Não quero aprender a viver bem com situações assim.
Quero que me ensinem a saber resolver essas situações.
Por todos aqueles que por elas passam e sofrem. Por mim e pelos que me são queridos e sofrem também. Pelo meu filho e pela esperança de algo melhor que gostava de lhe deixar como legado de vida.