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quinta-feira, dezembro 11, 2003

(Fragmentos de Por acaso...)

-Hesitei muito em vir para cá, sabes?
-Vais dar-te bem cá, vais ver...- Na verdade, gostava de lhe ter perguntado porquê. Não sei porque voltou. Não sei ao que veio. E escapa-me a coragem de lhe perguntar.
-Tinha saudades deste mar! Já reparaste como está bonito?
Estava bonito, sim. Mas ainda não tinha reparado. Todos os meus sentidos se perdiam a pensar nela, no seu corpo, na sua vinda. No seu sorriso.
-Tive algum receio em voltar... – E ao dizer isto, deixou os olhos perderem-se ao longe.
-Mas voltaste... – arrisquei. Talvez agora me dissesse. Sem ter de lhe perguntar.
-Voltei, mas ainda não sei se fiz bem.
-Ainda bem que vieste...
-Gostas de me ter por cá? – Olhava agora fixamente para mim. Sem sorrir. De expressão dura. Séria. Como se esperasse algo de mim. Mas não tenho nada para lhe dar. Olhos nos seus olhos, mas afasto-os logo a seguir. Não sei o que lhe dizer. Não sei o que ela espera que lhe diga. Queres que te diga que tive saudades tuas? Queres que te explique que te mantiveste como fantasma nos meus sonhos, nas minhas caminhadas solitárias? Por vezes achava que me acompanhavas, de longe. Quase indistinta, no horizonte. Como uma luz. Ou uma estrela longínqua. Queres que te diga que sonhei contigo milhares de vezes? E que acordei sempre tremendo de frio e não de prazer, porque tinhas ido embora e nunca esperei voltar a ver-te? Que te achei perdida para o mundo para sempre? Sei lá o que te dizer! Nem sei porque voltaste...Porque havia de te dizer como preciso de ti para voltar a viver? Mas tu insistias: - Gostas de me ter por cá? Diz-me! Gostas que tenha voltado?
-Acho...que sim. Acho que vamos ser bons colegas. Temos ideias comuns. Podemos ter um bom projecto.
E pronto! Acabei de estragar tudo. Vejo-o na forma como o teu olhar me deixou cair. Como te recostaste na cadeira a olhar novamente o mar. mas não me pareces surpresa. Nem zangada. Nem desapontada. Deixaste, apenas, que o teu olhar me deixasse cair. E deixaste-me só. Porque, num segundo deixaste de estar ali e foste não sei para onde. Perdeste-te no horizonte. E apetece-me abanar-te, sacudir-te. Volta! Quero-te aqui! Preciso de ti aqui. Tens de me ajudar a dizer-te o que não sei! Não sirvo mesmo para estas coisas. Sinto-me retesado, dentro do meu corpo. Acho que continuo tremendamente ensopado em calor. Mas isso já não me incomoda. Incomoda-me a solidão em que me deixas. E, percebe, não gosto de estar só. Mas é assim, em solidão que me encontro todos os dias, todas as horas. Todas as noites. E quase me parece impossível poder ser de outra maneira. Por isso tens de voltar. E ficar. E ouvir para além das palavras que te sei dizer. Porque não te sei dizer mais.
-Queres mais um Gin?
-Não. Acho que não. Prefiro manter-me sóbria.
Pois eu preferia beber até cair. Sem vergonha que me visses para lá do decente. Podia ser que assim te dissesse ...algumas coisas que trago atravessadas dentro de mim. E que não me deixam respirar. E que me fazem sentir, todos os dias, que morro um bocadinho.