"Quarto em Amsterdão" - republicação
Lá do alto da torre iluminada podia-se ver a cidade inteira. Mal iluminada. Lembrava a escuridão da solidão. Nem sabia se o frio vinha de dentro ou do vento. Tinha a certeza de que não viria e, no entanto ali estava à espera. Mas quem espera uma vida inteira, habitua-se e já não sabe a diferença. Achava que não viria. A conversa não tinha sido precisa, podia ser que viesse. Não sintas nunca o arrependimento de te dares, porque é de liberdade que a felicidade é feita, disseste. Afinal, vir não foi ideia minha. Arrisquei tudo para estar aqui. Tudo o quê? Não sei... Quando não se quer ver, finge-se a ignorância. Podia arruinar tudo o que construi. Mas ignorei e vim. Estava ali. Mas, talvez não tivesse importância porque talvez não viesse. Afinal, agora que a noite fazia as horas passarem mais rápido, tinha a certeza de que ele não viria. Mas continuava à espera. Porquê? A rejeição não é uma coisa simples de se viver. A solidão magoa.
Na cidade mal iluminada o trânsito abrandava ao som dos semáforos, obediente. Pensou naquele telefonema, nas palavras indecisas. Nos silêncios deixados no ar. Houve um tempo em que pensei que a escassez de palavras fosse apenas timidez. Mas talvez fosse só indecisão, contrariedade. Nunca o obriguei a nada! Mas insisti. E apesar disso podia não ter aceite! E no entanto, havia sempre um telefonema, uma visita rápida, um beijo fugaz. Um carinho a saber a promessa de mais. Faz sentido deixar voar, também eu estou cá todo, disseste-me um dia.
Achava que não viria. E estava cansada de ali estar. A cidade não lhe agradava. Teria preferido outra qualquer. Talvez um lugar mais pequeno, com ruas estreitas de casas antigas. Que cheirassem a conforto. Aí, a luz escassa saberia a mistério e não a solidão.
Olhou para as horas e pensou que o tempo custava a passar. É sempre assim. O tempo move-se de forma estranha. Quase como se fosse autónomo da vida. Alguns segundos bastavam para poder passear durante horas pelos caminhos do pensamento. E recordar os últimos anos. Passear pela memória dos últimos encontros. Nesses passeios, ficava com a impressão de que o tempo não era importante. Pareciam horas os minutos em que se viam.
O tempo é feito por cada um de nós. E nós, juntos, fazemos uma vida inteira de horas, momentos, sensações, dizias. Como se vivêssemos numa dimensão diferente. Mas estava a ficar frio e isso, deixava-me impaciente. Talvez não viesse. Bem sei que era uma possibilidade. Mas ficaria até ao fim. Até não haver mais nenhuma esperança. Mas iria esperar. E talvez, ainda viesse. Com uma desculpa qualquer para o atraso e outra para sair rapidamente. E eu desculparia. E tentaria não pensar nas horas e ficaria feliz. E quando me deixasse, ficaria apenas com saudades. E, se não viesse? Claro que viria. A ideia não foi minha. Senão, teria escolhido outra cidade. Não gostava de cidades grandes, de prédios altos. Com multidões que não se olham nos olhos. Que não se sorriem. Creio que nem são felizes.
Mas, e se não viesse? Começava a ficar angustiada. Tinha tido a certeza de que viria, mas agora, já não sabia. A promessa de umas horas felizes começava a desvanecer-se. Senti-me impaciente. Aquela angústia de sempre começou a apertar-me a garganta. Mais um pouco, e sabia que começaria a duvidar de tudo. De todas as certezas. Se calhar, nunca fez intenção de vir. Se calhar, estava agora a jantar ou no conforto de um sofá. E não estaria sozinho. Como eu.
Não posso continuar nesta tristeza, sem saber o que fazer. Penso repetidamente em não te ver nunca mais. Em deixar morrer de esquecimento o teu rosto. Mas, a tristeza assalta-me e acabo por recorrer a ti, aos nossos diálogos surdos, em que eu falo e nem sei se tu ouves...Tenho um certo embaraço em te dizer de facto o que me faz ficar triste. Mas, confio sempre na tua capacidade de ler além do que digo, e nas perguntas que não me vais fazer. Se a vida fosse mais simples, não teria de pensar! Também não teria em que pensar! Talvez nem tivesse de te ver! Se calhar, estarias perto...
Penso em te dar asas e deixar-te voar de dentro de mim. Mas não estou certa. Não sei se devo deixar que me roubem de novo. E, depois, aprendi a ter medo de me dar. E seria capaz de te amar outra vez. Penso como seria acordar contigo. Olhar-te por entre a penumbra e dizer-te Bom dia para ti!
Bom dia de saudade. Não estou perto e isso não me faz sorrir, agora. Não te posso sussurrar... Mas, fecho os olhos e sinto ainda o perfume do teu corpo. Como se lhe pudesse ainda tocar. Como se me pudesse ainda tocar. Sinto ainda o calor das palavras de outros tempos. E tenho saudades de te olhar nos olhos. Não estou, seguramente, no Reino da Dinamarca. Mas guardo a memória dele. E, por vezes, julgo mesmo que passo por lá perto. Porque continuo a sonhar. Ás vezes, com dificuldade. mas, sou teimosa com a vida e insisto! Hoje, a memória das tuas palavras não me faz sorrir. Deixa lágrimas escorrer...Mas, insisto, sou teimosa com a vida. Seco-as e respiro fundo. Com a mesma vontade de sempre. Não te tenho e, no entanto, permaneces em mim. Não te terei e ainda assim, não te expulso. Sei que a vida é assim. Os nossos caminhos cruzam-se e apenas se tocam por breves momentos. Doces momentos. Doce memória.
Lá fora, o trânsito continua, indiferente à solidão.
Não vieste. E eu dormi sozinha naquela cama fria. Não sei quantos minutos, ou talvez horas, estive ali, parada a olhar a cidade. Como se por entre os carros que passam, pudesse ver um aceno teu. Mas tu não vieste. E fiquei ali, parada a olhar para o mundo. Choveu, parece-me. Não sei bem. Deixei-me ficar. Sem forças para me zangar, para gritar. Deixei só as lágrimas caírem. Transbordarem do meu corpo. Inundarem tudo.
Não vieste. E eu dormi enrolada no meu corpo. Agarrada à minha dor. E acordei cansada, de corpo dorido. Com os movimentos presos, como se me tivesses acorrentado.
Não sei que horas são. Não sei se já é dia. Não sei o que pensar. Criaste um vazio em mim. Deixaste-me suspensa nas palavras. E deixaste-me cair. E sinto-me como se fosse ainda em queda. O meu corpo ainda não tocou no chão. Mas afunda-se já na escuridão da solidão. Não sei o que faça. Já não consigo chorar mais.
Lá fora, a vida continua. Uma multidão que vai e vem, apressada. E eu aqui. Longe do mundo. Suspensa no tempo. Desfeita. E se fosse mentira? E se tudo fosse uma mentira imperdoável? Não sei...Ainda não sei. Não consigo pensar. Queres-me, não me queres? Como é possível desejares-me não me querendo? E eu quero odiar-te. Mas desejo-te ainda. Sinto vontade de te tocar. De te abraçar. E respirar o teu corpo. Olhar fundo nos teus olhos e mergulhar em ti. Como se o mundo não existisse para além de nós. Queria poder abraçar-te. Apertar-te e sentir o teu corpo. Sentir-te. A tua boca, as tuas mãos pelo meu corpo. Poder ser tua. Nua. E ter-te também.
Desperta-me o ruído da cidade. A vida continua lá fora. Tenho saudade das vezes em que acordávamos assim, de corpos enrolados, extenuados. E cheios de vida. Com vontade de respirar o sol da manhã. De comer gelados ao pequeno almoço.
Sinto vontade de sair e percorrer os caminhos que fazíamos juntos. Tentar encontrar os risos que perdemos por aí. De me encontrar.
Sinto-me atordoada com as pessoas que passam por mim. Falam, riem, caminham depressa. E eu sinto-me como se vagueasse numa outra dimensão por entre elas. Sinto-me tonta. Sem forças. Olho para a água turva do canal. E vejo-me reflectida, mal definida. Como um fantasma. Não me quis apaixonar por ti. Aconteceu. Sem te conhecer ainda. Como se estivéssemos estado juntos numa outra vida. Como se no silêncio estivesse já tudo escrito. Recordo o primeiro olhar. Intenso. Paralisante. Profundo. E o meu corpo pediu-te logo ali. Reconheci-te no olhar. Soube que eras tu. Soube que te tinha encontrado. E percebi a maldição. E fugi dos teus olhos, querendo-os. Sempre que o teu olhar pousava em mim, sentia-o. Pesado. Como uma força bruta que me obrigava a encarar-te. Quente. Sabia sempre que me fitavas. Porque o teu olhar me abraçava. E me embalava. Como se me desejasse, ali. Dizendo-me não conheço ainda a cor dos teus olhos...Importaste de olhar para mim! Não fujas. Vou pousar os meus olhos em ti, suavemente. Deixa-me ver a cor dos teus olhos! Olhar-te com a impaciência do meu corpo. Mergulhar vezes sem conta nesses olhos que enganam e te escondem. Sabes que a vida é inevitável? Claro que sei... Não fui eu quem te descobri. Mas fui de descoberta em descoberta. Querendo mais e mais. Com vontade de respirar tudo de uma só vez. Com medo que não me olhasses. E não descobrisse, eu também, a cor do teu olhar. Mas tu, insistias. Deixa-me olhar para ti até saber de que é feito o teu olhar. Tocar devagarinho. E gravar-te na ponta dos meus dedos. Até saber esculpir-te. E dar-te cor. Mas agora, olhando a água do canal não te revejo na memória do meu desejo. Não vieste. E procuro-te por entre os caminhos que percorremos. Entre os jardins que florescemos. Mas não te encontro. E tenho frio. E apetece-me voltar para o quarto onde a tristeza se confina às paredes. E não se espalha pelo mundo.
Olho-te por entre a penumbra. Tens um rosto sereno. Como se dormisses pela primeira vez. Eu descanso o meu olhar em ti. Tenho ainda o sabor do despertar lento nos teus braços. Dos beijos meigos e cautelosos do meu sono. O teu corpo junto ao meu, quente. Acho que vivo do calor dos momentos que me dás. Gosto de estar assim. Olhando-te. Respirando o teu sono. Gostava de eternizar este momento. De apagar da memória as horas de solidão. As horas em que espero por ti. Queria guardar-te na memória das horas felizes. Dos momentos de paixão. Cheiro o teu corpo. Como se pudesse gravar para sempre o teu perfume em mim. Doce perfume. Das tuas mãos surgi outra. De tanto te querer, entreguei-me. E amanheci nova. Expurgada. Nas lágrimas de prazer, lavaste-me a dor da alma.
Quando regressei da procura dos teus sorrisos pelos recantos desta cidade de que não gosto, encontrei-te sereno. Com a certeza de que eu voltaria. Apetece-me falar-te dos "sítios desconhecidos" que reencontrei no teu corpo. Dos sítios conhecidos que a memória se recusa a lembrar e que me obriga a procurar. Que excitam. Que apetecem. Das mais desvairadas maneiras. Das múltiplas tonalidades e sabores dos momentos e do teu corpo. Também gosto de ti...Embora me queira parecer que de uma forma diferente...Mas não quis pensar. Lentamente, fui-me deixando levar pelos espaços soltos da memória. Fui saboreando as palavras ditas. Sonhadas. Lentamente, fui escorregando pelas imagens perdidas, guardadas. Lentamente...Deixei-me invadir pelo perfume quente das palavras. Pousei as tuas mãos em mim. E fui-me abandonando. Despindo-me para ti.
Como se tudo fosse infinito
E o tempo nos abraçasse
Num longo suspiro...
Como se a vida fosse poesia
E bastasse sentir...
Bastasse amar para sermos
Sempre...
Como se tudo fosse infinito
E aquela vista sobre a cidade
Fosse, nos nossos olhos,
A magia de uma história
Que ficou impregnada nas paredes
Dos corações, sempre...
Como se tudo fosse infinito
E nas nossas mãos permanecesse
Intocável, o desejo, o corpo e a alma
O prazer infinito do perfume,
Inexplicável, da liberdade
De amar, sempre...
Como se tudo fosse infinito
Sempre...
Conheci as tuas razões, antes. Sempre soube que tudo seria, inevitavelmente, fugaz. E, que no fim, ficarias onde sempre estiveste. Olho-te, nesse teu sono sereno e sinto falta de falar contigo. Preciso de redescobrir o meu espaço novamente. Reinventar a minha vida e voltar a descobrir como se sorri de vontade. Respiro a tua memória e guardo-te dentro de mim. Como se nos voltássemos a amar com lentidão. E o prazer fosse denso como o ar que se respira... Ás vezes penso que um dia, vou acordar vazia. Sem me mexer e não vou sentir o perfume dos meus sonhos. Depois, quando caminhar até à janela, vou olhar o céu azul e pensar que está gasto. De tantas vezes amanhecer assim. esta cama não será mais o lugar mágico, onde tantas vezes te amei. Vou pensar em ti. E perceber que não tenho mais nada dentro de mim. Que entre tanto te querer dar, perdi tudo. E depois, vou ficar imóvel. Sem respirar. Vou fechar os olhos e deixar-me vaguear pela escuridão. Até me encontrar. E aí, respirarei. Mas agora, posso ver os teus olhos ainda adormecidos, sorrindo. E sorrio para ti também. Hoje, vou dormir com o teu cheiro enrolado no meu corpo. Como se o meu sono estivesse, ainda, abraçado em ti. E pudesse, de novo, acordar com o teu sorriso na minha boca.
Tento, vezes sem conta escrever esta mensagem, com palavras diferentes. Contar-te como me sinto, descrever-te as imagens do meu pensamento. Mas vejo-te, repousado, adormecido e acabo sempre por regressar à mesma memória. Não. Apago tudo e recomeço uma vez mais. "Não ouvir, não falar, não ver". Assim me sinto. E uma vez mais, não!! Não flutuo, hoje. Caminho em passo lento, de cabeça levantada e olhar fixo lá em frente. E tudo à minha volta é deserto. E posso mesmo ouvir a voz do silêncio. Deixar-me acariciar pelo vento. Sabes que tudo é um eterno retorno. Tudo o que dei, vou receber pela vida fora. Acredito nisso. E, por isso, te pergunto, por onde anda o meu retorno? Que vento o desviou do meu caminho? Desafio quem disser que não serei, um dia, feliz! Entretanto, silêncio....Entretanto, não ouço, não vejo, não falo. Não mergulho na vida. Não te digo como me sinto. Não, uma vez mais. Bem sei que não percebes. Não é para perceber. Há coisas que não se explicam. Há coisas que não tem sentido. Não compliques. São só palavras soltas e alguns espaços em branco pelo meio. São coisas que se sentem. Um dia, nascerei mais lúcida. E aí, prometo que te explicarei. Sabes, às vezes releio as memórias que mantenho perdidas, desordenadas na minha gaveta do esquecimento. E tenho vontade de me deixar vaguear pelas palavras escritas, pelos sentimentos guardados. É talvez saudade o que me leva a reviver momentos para sempre afastados. Saudades do que vivi, vontade de não esquecer os sorrisos que ofereci, as lágrimas que chorei. Não esquecer. Construir e reconstruir todo o pensamento. Como se a memória me pudesse ajudar ser feliz. Não, não duvido que serei feliz! Mas serei...? És tu feliz? Os caminhos da vida levam-nos a sítios desconhecidos. Nunca saberemos se este é o melhor. Resta-nos o pensamento. Construído e desconstruído. Deixo-te embalado nesse sono sereno. Até sempre.
Lá do alto da torre iluminada podia-se ver a cidade inteira. Mal iluminada. Lembrava a escuridão da solidão. Nem sabia se o frio vinha de dentro ou do vento. Tinha a certeza de que não viria e, no entanto ali estava à espera. Mas quem espera uma vida inteira, habitua-se e já não sabe a diferença. Achava que não viria. A conversa não tinha sido precisa, podia ser que viesse. Não sintas nunca o arrependimento de te dares, porque é de liberdade que a felicidade é feita, disseste. Afinal, vir não foi ideia minha. Arrisquei tudo para estar aqui. Tudo o quê? Não sei... Quando não se quer ver, finge-se a ignorância. Podia arruinar tudo o que construi. Mas ignorei e vim. Estava ali. Mas, talvez não tivesse importância porque talvez não viesse. Afinal, agora que a noite fazia as horas passarem mais rápido, tinha a certeza de que ele não viria. Mas continuava à espera. Porquê? A rejeição não é uma coisa simples de se viver. A solidão magoa.
Na cidade mal iluminada o trânsito abrandava ao som dos semáforos, obediente. Pensou naquele telefonema, nas palavras indecisas. Nos silêncios deixados no ar. Houve um tempo em que pensei que a escassez de palavras fosse apenas timidez. Mas talvez fosse só indecisão, contrariedade. Nunca o obriguei a nada! Mas insisti. E apesar disso podia não ter aceite! E no entanto, havia sempre um telefonema, uma visita rápida, um beijo fugaz. Um carinho a saber a promessa de mais. Faz sentido deixar voar, também eu estou cá todo, disseste-me um dia.
Achava que não viria. E estava cansada de ali estar. A cidade não lhe agradava. Teria preferido outra qualquer. Talvez um lugar mais pequeno, com ruas estreitas de casas antigas. Que cheirassem a conforto. Aí, a luz escassa saberia a mistério e não a solidão.
Olhou para as horas e pensou que o tempo custava a passar. É sempre assim. O tempo move-se de forma estranha. Quase como se fosse autónomo da vida. Alguns segundos bastavam para poder passear durante horas pelos caminhos do pensamento. E recordar os últimos anos. Passear pela memória dos últimos encontros. Nesses passeios, ficava com a impressão de que o tempo não era importante. Pareciam horas os minutos em que se viam.
O tempo é feito por cada um de nós. E nós, juntos, fazemos uma vida inteira de horas, momentos, sensações, dizias. Como se vivêssemos numa dimensão diferente. Mas estava a ficar frio e isso, deixava-me impaciente. Talvez não viesse. Bem sei que era uma possibilidade. Mas ficaria até ao fim. Até não haver mais nenhuma esperança. Mas iria esperar. E talvez, ainda viesse. Com uma desculpa qualquer para o atraso e outra para sair rapidamente. E eu desculparia. E tentaria não pensar nas horas e ficaria feliz. E quando me deixasse, ficaria apenas com saudades. E, se não viesse? Claro que viria. A ideia não foi minha. Senão, teria escolhido outra cidade. Não gostava de cidades grandes, de prédios altos. Com multidões que não se olham nos olhos. Que não se sorriem. Creio que nem são felizes.
Mas, e se não viesse? Começava a ficar angustiada. Tinha tido a certeza de que viria, mas agora, já não sabia. A promessa de umas horas felizes começava a desvanecer-se. Senti-me impaciente. Aquela angústia de sempre começou a apertar-me a garganta. Mais um pouco, e sabia que começaria a duvidar de tudo. De todas as certezas. Se calhar, nunca fez intenção de vir. Se calhar, estava agora a jantar ou no conforto de um sofá. E não estaria sozinho. Como eu.
Não posso continuar nesta tristeza, sem saber o que fazer. Penso repetidamente em não te ver nunca mais. Em deixar morrer de esquecimento o teu rosto. Mas, a tristeza assalta-me e acabo por recorrer a ti, aos nossos diálogos surdos, em que eu falo e nem sei se tu ouves...Tenho um certo embaraço em te dizer de facto o que me faz ficar triste. Mas, confio sempre na tua capacidade de ler além do que digo, e nas perguntas que não me vais fazer. Se a vida fosse mais simples, não teria de pensar! Também não teria em que pensar! Talvez nem tivesse de te ver! Se calhar, estarias perto...
Penso em te dar asas e deixar-te voar de dentro de mim. Mas não estou certa. Não sei se devo deixar que me roubem de novo. E, depois, aprendi a ter medo de me dar. E seria capaz de te amar outra vez. Penso como seria acordar contigo. Olhar-te por entre a penumbra e dizer-te Bom dia para ti!
Bom dia de saudade. Não estou perto e isso não me faz sorrir, agora. Não te posso sussurrar... Mas, fecho os olhos e sinto ainda o perfume do teu corpo. Como se lhe pudesse ainda tocar. Como se me pudesse ainda tocar. Sinto ainda o calor das palavras de outros tempos. E tenho saudades de te olhar nos olhos. Não estou, seguramente, no Reino da Dinamarca. Mas guardo a memória dele. E, por vezes, julgo mesmo que passo por lá perto. Porque continuo a sonhar. Ás vezes, com dificuldade. mas, sou teimosa com a vida e insisto! Hoje, a memória das tuas palavras não me faz sorrir. Deixa lágrimas escorrer...Mas, insisto, sou teimosa com a vida. Seco-as e respiro fundo. Com a mesma vontade de sempre. Não te tenho e, no entanto, permaneces em mim. Não te terei e ainda assim, não te expulso. Sei que a vida é assim. Os nossos caminhos cruzam-se e apenas se tocam por breves momentos. Doces momentos. Doce memória.
Lá fora, o trânsito continua, indiferente à solidão.
Não vieste. E eu dormi sozinha naquela cama fria. Não sei quantos minutos, ou talvez horas, estive ali, parada a olhar a cidade. Como se por entre os carros que passam, pudesse ver um aceno teu. Mas tu não vieste. E fiquei ali, parada a olhar para o mundo. Choveu, parece-me. Não sei bem. Deixei-me ficar. Sem forças para me zangar, para gritar. Deixei só as lágrimas caírem. Transbordarem do meu corpo. Inundarem tudo.
Não vieste. E eu dormi enrolada no meu corpo. Agarrada à minha dor. E acordei cansada, de corpo dorido. Com os movimentos presos, como se me tivesses acorrentado.
Não sei que horas são. Não sei se já é dia. Não sei o que pensar. Criaste um vazio em mim. Deixaste-me suspensa nas palavras. E deixaste-me cair. E sinto-me como se fosse ainda em queda. O meu corpo ainda não tocou no chão. Mas afunda-se já na escuridão da solidão. Não sei o que faça. Já não consigo chorar mais.
Lá fora, a vida continua. Uma multidão que vai e vem, apressada. E eu aqui. Longe do mundo. Suspensa no tempo. Desfeita. E se fosse mentira? E se tudo fosse uma mentira imperdoável? Não sei...Ainda não sei. Não consigo pensar. Queres-me, não me queres? Como é possível desejares-me não me querendo? E eu quero odiar-te. Mas desejo-te ainda. Sinto vontade de te tocar. De te abraçar. E respirar o teu corpo. Olhar fundo nos teus olhos e mergulhar em ti. Como se o mundo não existisse para além de nós. Queria poder abraçar-te. Apertar-te e sentir o teu corpo. Sentir-te. A tua boca, as tuas mãos pelo meu corpo. Poder ser tua. Nua. E ter-te também.
Desperta-me o ruído da cidade. A vida continua lá fora. Tenho saudade das vezes em que acordávamos assim, de corpos enrolados, extenuados. E cheios de vida. Com vontade de respirar o sol da manhã. De comer gelados ao pequeno almoço.
Sinto vontade de sair e percorrer os caminhos que fazíamos juntos. Tentar encontrar os risos que perdemos por aí. De me encontrar.
Sinto-me atordoada com as pessoas que passam por mim. Falam, riem, caminham depressa. E eu sinto-me como se vagueasse numa outra dimensão por entre elas. Sinto-me tonta. Sem forças. Olho para a água turva do canal. E vejo-me reflectida, mal definida. Como um fantasma. Não me quis apaixonar por ti. Aconteceu. Sem te conhecer ainda. Como se estivéssemos estado juntos numa outra vida. Como se no silêncio estivesse já tudo escrito. Recordo o primeiro olhar. Intenso. Paralisante. Profundo. E o meu corpo pediu-te logo ali. Reconheci-te no olhar. Soube que eras tu. Soube que te tinha encontrado. E percebi a maldição. E fugi dos teus olhos, querendo-os. Sempre que o teu olhar pousava em mim, sentia-o. Pesado. Como uma força bruta que me obrigava a encarar-te. Quente. Sabia sempre que me fitavas. Porque o teu olhar me abraçava. E me embalava. Como se me desejasse, ali. Dizendo-me não conheço ainda a cor dos teus olhos...Importaste de olhar para mim! Não fujas. Vou pousar os meus olhos em ti, suavemente. Deixa-me ver a cor dos teus olhos! Olhar-te com a impaciência do meu corpo. Mergulhar vezes sem conta nesses olhos que enganam e te escondem. Sabes que a vida é inevitável? Claro que sei... Não fui eu quem te descobri. Mas fui de descoberta em descoberta. Querendo mais e mais. Com vontade de respirar tudo de uma só vez. Com medo que não me olhasses. E não descobrisse, eu também, a cor do teu olhar. Mas tu, insistias. Deixa-me olhar para ti até saber de que é feito o teu olhar. Tocar devagarinho. E gravar-te na ponta dos meus dedos. Até saber esculpir-te. E dar-te cor. Mas agora, olhando a água do canal não te revejo na memória do meu desejo. Não vieste. E procuro-te por entre os caminhos que percorremos. Entre os jardins que florescemos. Mas não te encontro. E tenho frio. E apetece-me voltar para o quarto onde a tristeza se confina às paredes. E não se espalha pelo mundo.
Olho-te por entre a penumbra. Tens um rosto sereno. Como se dormisses pela primeira vez. Eu descanso o meu olhar em ti. Tenho ainda o sabor do despertar lento nos teus braços. Dos beijos meigos e cautelosos do meu sono. O teu corpo junto ao meu, quente. Acho que vivo do calor dos momentos que me dás. Gosto de estar assim. Olhando-te. Respirando o teu sono. Gostava de eternizar este momento. De apagar da memória as horas de solidão. As horas em que espero por ti. Queria guardar-te na memória das horas felizes. Dos momentos de paixão. Cheiro o teu corpo. Como se pudesse gravar para sempre o teu perfume em mim. Doce perfume. Das tuas mãos surgi outra. De tanto te querer, entreguei-me. E amanheci nova. Expurgada. Nas lágrimas de prazer, lavaste-me a dor da alma.
Quando regressei da procura dos teus sorrisos pelos recantos desta cidade de que não gosto, encontrei-te sereno. Com a certeza de que eu voltaria. Apetece-me falar-te dos "sítios desconhecidos" que reencontrei no teu corpo. Dos sítios conhecidos que a memória se recusa a lembrar e que me obriga a procurar. Que excitam. Que apetecem. Das mais desvairadas maneiras. Das múltiplas tonalidades e sabores dos momentos e do teu corpo. Também gosto de ti...Embora me queira parecer que de uma forma diferente...Mas não quis pensar. Lentamente, fui-me deixando levar pelos espaços soltos da memória. Fui saboreando as palavras ditas. Sonhadas. Lentamente, fui escorregando pelas imagens perdidas, guardadas. Lentamente...Deixei-me invadir pelo perfume quente das palavras. Pousei as tuas mãos em mim. E fui-me abandonando. Despindo-me para ti.
Como se tudo fosse infinito
E o tempo nos abraçasse
Num longo suspiro...
Como se a vida fosse poesia
E bastasse sentir...
Bastasse amar para sermos
Sempre...
Como se tudo fosse infinito
E aquela vista sobre a cidade
Fosse, nos nossos olhos,
A magia de uma história
Que ficou impregnada nas paredes
Dos corações, sempre...
Como se tudo fosse infinito
E nas nossas mãos permanecesse
Intocável, o desejo, o corpo e a alma
O prazer infinito do perfume,
Inexplicável, da liberdade
De amar, sempre...
Como se tudo fosse infinito
Sempre...
Conheci as tuas razões, antes. Sempre soube que tudo seria, inevitavelmente, fugaz. E, que no fim, ficarias onde sempre estiveste. Olho-te, nesse teu sono sereno e sinto falta de falar contigo. Preciso de redescobrir o meu espaço novamente. Reinventar a minha vida e voltar a descobrir como se sorri de vontade. Respiro a tua memória e guardo-te dentro de mim. Como se nos voltássemos a amar com lentidão. E o prazer fosse denso como o ar que se respira... Ás vezes penso que um dia, vou acordar vazia. Sem me mexer e não vou sentir o perfume dos meus sonhos. Depois, quando caminhar até à janela, vou olhar o céu azul e pensar que está gasto. De tantas vezes amanhecer assim. esta cama não será mais o lugar mágico, onde tantas vezes te amei. Vou pensar em ti. E perceber que não tenho mais nada dentro de mim. Que entre tanto te querer dar, perdi tudo. E depois, vou ficar imóvel. Sem respirar. Vou fechar os olhos e deixar-me vaguear pela escuridão. Até me encontrar. E aí, respirarei. Mas agora, posso ver os teus olhos ainda adormecidos, sorrindo. E sorrio para ti também. Hoje, vou dormir com o teu cheiro enrolado no meu corpo. Como se o meu sono estivesse, ainda, abraçado em ti. E pudesse, de novo, acordar com o teu sorriso na minha boca.
Tento, vezes sem conta escrever esta mensagem, com palavras diferentes. Contar-te como me sinto, descrever-te as imagens do meu pensamento. Mas vejo-te, repousado, adormecido e acabo sempre por regressar à mesma memória. Não. Apago tudo e recomeço uma vez mais. "Não ouvir, não falar, não ver". Assim me sinto. E uma vez mais, não!! Não flutuo, hoje. Caminho em passo lento, de cabeça levantada e olhar fixo lá em frente. E tudo à minha volta é deserto. E posso mesmo ouvir a voz do silêncio. Deixar-me acariciar pelo vento. Sabes que tudo é um eterno retorno. Tudo o que dei, vou receber pela vida fora. Acredito nisso. E, por isso, te pergunto, por onde anda o meu retorno? Que vento o desviou do meu caminho? Desafio quem disser que não serei, um dia, feliz! Entretanto, silêncio....Entretanto, não ouço, não vejo, não falo. Não mergulho na vida. Não te digo como me sinto. Não, uma vez mais. Bem sei que não percebes. Não é para perceber. Há coisas que não se explicam. Há coisas que não tem sentido. Não compliques. São só palavras soltas e alguns espaços em branco pelo meio. São coisas que se sentem. Um dia, nascerei mais lúcida. E aí, prometo que te explicarei. Sabes, às vezes releio as memórias que mantenho perdidas, desordenadas na minha gaveta do esquecimento. E tenho vontade de me deixar vaguear pelas palavras escritas, pelos sentimentos guardados. É talvez saudade o que me leva a reviver momentos para sempre afastados. Saudades do que vivi, vontade de não esquecer os sorrisos que ofereci, as lágrimas que chorei. Não esquecer. Construir e reconstruir todo o pensamento. Como se a memória me pudesse ajudar ser feliz. Não, não duvido que serei feliz! Mas serei...? És tu feliz? Os caminhos da vida levam-nos a sítios desconhecidos. Nunca saberemos se este é o melhor. Resta-nos o pensamento. Construído e desconstruído. Deixo-te embalado nesse sono sereno. Até sempre.
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